terça-feira, 28 de agosto de 2018

[No Umbral] [Conto] - A Peregrina


Saudações, passageiros e passageiras do Umbral!

A vida tem caminhos sombrios nos quais todos pisamos em algumas épocas e enfrentamos manifestações oriundas destes caminhos tortuosos.

Minha presença nesta passagem serĂ¡ mais esporĂ¡dica, contudo nĂ£o irei esmorecer. Mesmo nos encontros com Peregrinas incautas, encontramos a luz que nos mostra onde estĂ£o as chaves do Umbral.

Hoje, neste conto, nesta passagem pelos campos sombrios e misteriosos, iremos ao encontro da verdade derradeira da vida: a morte, um destino Ăºnico compartilhado pelos seres vivos e pelas estrelas.

Eu, Orfeu Brocco, seu anfitriĂ£o e guia, venho lhes fazer um convite: venham comigo!



A Peregrina
(por Orfeu Brocco)

“É a Morte — esta carnĂ­vora assanhada —
Serpente mĂ¡ de lĂ­ngua envenenada
Que tudo que acha no caminho, come...
— Faminta e atra mulher que, a 1 de Janeiro,
Sai para assassinar o mundo inteiro,
E o mundo inteiro nĂ£o lhe mata a fome!”

(trecho de Poema Negro – Augusto dos Anjos)


Um segundo, apenas isso, ou pelo menos assim pareceu. Uma Ăºltima lembrança ainda perpetuada de uma tarde ensolarada, cheia de gente, mĂºsica, clamores e diversĂ£o. ApĂ³s esse segundo, veio a escuridĂ£o total, o vazio, o silĂªncio, a repulsa e a confusĂ£o. Quem diria nĂ£o Ă© mesmo, senhoras e senhores, que neste Ăºnico segundo em que piscas os olhos, pensa e respira, caberia tanta coisa? Talvez, por causa deste mergulho na escuridĂ£o, eu jamais tornarei a considerar um segundo como mĂ­sero, afinal, a cada segundo, alguĂ©m nasce ou morre.

ApĂ³s aquele segundo tĂ£o intenso, pareci despertar, assim pensei. Um misto de ausĂªncia de sentidos misturada a dor fez com que eu levasse as mĂ£os atĂ© a cabeça. Ao meu redor, nĂ£o via mais nada, a nĂ£o ser algo muito familiar: meu prĂ³prio corpo caĂ­do logo ali, e todo local coberto pela densa escuridĂ£o.

— Meu Deus... — Confesso nĂ£o ter sido minha primeira vez a presenciar fato tĂ£o inusitado, contudo a situaĂ§Ă£o naquele momento era bem desconcertante. Sem coragem de tocar meu prĂ³prio corpo, observei as pontas de meus dedos em meu corpo caĂ­do de bruços molhadas de sangue.

Um enorme calafrio percorreu a minha alma. Quis gritar, mas nĂ£o conseguia, meu grito nĂ£o saĂ­a e cada sentido que parecia ressurgir vilipendiava meu espectro assustado.

O retorno do som era um misto de cacofonia, vozes, risadas e berros; em meio Ă  escuridĂ£o, meus olhos ardiam e manchas vermelhas, que ao certo deviam ser sangue a escorrer sobre minhas pĂ¡lpebras, sobre os olhos de minha alma, pareciam pingos de chuva. Uma simples vibraĂ§Ă£o fazia meu corpo doer, mescladas ao gosto de sangue e um tremendo fedor de urina e Ă¡lcool onipresente.

— Meu Deus, o que aconteceu? Eu nĂ£o lembro! Eu nĂ£o lembro! — Pensava em voz alta sem parar, tentando fazer com que a visĂ£o se estabelecesse e algo fizesse sentido. 

Em minha mente, uma voz parecia sussurrar “pare e se concentre”, “deseje”, “resista”, e entĂ£o obedeci aos sussurros. Pouco a pouco, minha alma parecia se reintegrar, a cacofonia se desfez em sons genuĂ­nos de tambores, vozes e gritos, sem torturar e em seguida, gradualmente como um efeito de transiĂ§Ă£o de filmes antigos, o ambiente a minha volta foi tomando forma e pude perceber que era uma noite de carnaval.

Acho que tal sensaĂ§Ă£o ilusĂ³ria de domĂ­nio sobre minhas percepções fez com que eu esboçasse algum contentamento, que logo desapareceu ao ver, logo ao lado de meu corpo, o corpo inerte de um amigo.


— Acorda, mano! Acorda! — Obviamente foi um apelo em vĂ£o, que viria a se repetir se algo nĂ£o chamasse a minha atenĂ§Ă£o. Comecei a contemplar a multidĂ£o em festa que dançava, bebia, se beijava e se empurrava. Perto das grades, dos banheiros quĂ­micos e das tendas, por quase todo lugar havia mais alguĂ©m alĂ©m deles. Parecia um borrĂ£o, mas bastava concentraĂ§Ă£o para interpretĂ¡-lo. Ao encarar um rapaz moreno, vestido como Conan, o Destruidor, vi o borrĂ£o sobre seus ombros, concentrei-me entĂ£o e, como se a mĂ£o de Michelangelo desenhasse, o borrĂ£o ganhou formas, cores e feições.

Sobre os ombros do rapaz, com os dois pĂ©s cravados neles e cujas longas unhas podres pareciam enganchar, estava uma mulher encolhida a abraçar o pescoço do dito rapaz. Sua cor de pele era de um familiar branco cadavĂ©rico, preenchido por vergões vermelhos que, quando encarados mais profundamente, mostravam ser orifĂ­cios em formas de lĂ¡bios que se movimentavam, pareciam repetir movimentos e deixam escorrer algo sĂ³lido e vermelho por si.

A mulher voltou seu olhar para mim e fez sinal de silĂªncio. Virei-me de costas para fugir dessa visĂ£o, comecei a olhar ao redor e notei diversas dessas aberrações que pareciam estar grudadas Ă s pessoas. Quando estes seres notaram meu desespero e meus berros, começaram a ecoar em unĂ­ssono: “Quieto! Quieto!”

Atormentado por aquele eco que lembrava o enorme zumbido de uma colmeia, recuei alguns passos e me lembrei de olhar para o chĂ£o, encarando, por consequĂªncia, meu corpo e o de meu amigo. Tropecei e caĂ­ ao lado de meu corpo. Duas criaturas se esgueiravam sobre nĂ³s; elas tinham aspecto humano semelhante aos seres de antes, mas seus dedos pareciam ventosas e, fincados sobre nas cabeças dos corpos, pareciam sugar.

Tentei levantar-me, mas diversas mĂ£os me seguraram no chĂ£o, uma tampou minha visĂ£o e, antes que me calassem, soltei um berro. Foi entĂ£o que ela veio. Senti o cheiro inconfundĂ­vel de um perfume conhecido. Uma singela vibraĂ§Ă£o no chĂ£o anunciou sua chegada, como se pousassem os pĂ©s de um anjo.

As mĂ£os, que hĂ¡ poucos segundos me prendiam, me libertaram. Ao me erguer, vi as criaturas se afastando e se direcionando a outras pessoas ou sumindo. E ao encara-la, puder ver uma garota adolescente branca, um pouco mais alta que eu, de cabelos longos, lisos e ruivos, sardas, olhos verdes e um sorriso inconfundĂ­vel.

— Vo... vocĂª? Mas vocĂª nĂ£o Ă© mais assim, vocĂª envelheceu e... vocĂª estĂ¡ viva! — Ao observar aquele rosto conhecido sorrir, tentei entender.

— Eu nĂ£o estou viva e nem morta. Eu sou a Morte e vocĂª sabe disso. — Sua voz era tĂ£o melodiosa quanto recordava. Ele fechou os olhos enquanto meneou a cabeça, quase em confirmaĂ§Ă£o. Ela vestia tĂªnis Alls-Stars, jeans e uma regata preta, alĂ©m de um anel no indicador da mĂ£o direita.

— Mas por que vocĂª se parece assim? — Aproximei-me e observei cada detalhe.


— Ora poeta, vocĂª nĂ£o se lembra? Foi vocĂª mesmo que disse: “Enquanto a Morte me leva, verei vocĂª de relance” — recitou a Morte, tentando imitar meu tom de voz de maneira engraçada. — Foi vocĂª quem sempre desejou que eu tivesse o semblante de seu amor mais louco! Pelo visto, nĂ£o lembra de suas prĂ³prias poesias — completou em desaprovaĂ§Ă£o.

— Entendo... sabe Ă© estranho, mas sinto uma proximidade contigo. — NĂ£o senti mais medo, atĂ© que me lembrei das criaturas ao redor. — O que sĂ£o essas coisas?

— NĂ£o Ă© estranho, nem vocĂª Ă© o Ăºnico a sentir isso, entretanto sente de uma maneira Ăºnica. Quanto a estes infelizes, foram pessoas outrora, eles decidiram ficar apĂ³s morrerem e enlouqueceram, entĂ£o sua aparĂªncia assumiu esses semblantes. Se afastaram de nĂ³s porque estĂ£o viciados em consumir os vivos e pensam que vou leva-los Ă  força. Para estes, cujas escolhas nĂ£o foram felizes, vocĂªs, vivos, sĂ£o como o crack ou uma iguaria.

— Vivos?! EntĂ£o eu estou vivo e meu amigo tambĂ©m? Vamos morrer? — Como se minha alma tivesse mĂºsculos, pude sentir o esboçar de um sorriso.

Ela olhou para cima, depois para o chĂ£o e bufou, olhando para mim ao bronquear:

— Mas que chatice, hein! Quanta pergunta! Claro que vocĂªs estĂ£o vivos, afinal as criaturas por vocĂª chamadas de kiumbas estavam drenando seu corpo! Seu amigo estĂ¡ pior, mas nĂ£o vai morrer. JĂ¡ vocĂª nĂ£o estĂ¡ tĂ£o mal, todavia pode morrer. NĂ£o foi a mim que vocĂª desejou todos esses anos? Ă€s vezes, vida e morte sĂ£o apenas uma questĂ£o de escolha e isso se aplica a esse momento.

— Eu preciso escolher? — ignorando a bronca, perguntei.

— Mas que coisa! É assim que vocĂª recebe a visita de um garota? Envelhecendo e perdendo o feeling, hein, mocinho? Isso Ă© entediante! — Ela bufou e se virou, afastando-se sem olhar para trĂ¡s. Estranhamente, notei que o bolso traseiro de sua calça estava descolado.

— Espera, me desculpa! Por favor, fique! — pedi. De forma inexplicĂ¡vel, senti meus olhos lacrimejarem.

Ela tornou a se virar e sorriu.

— Ainda um cavalheiro, poeta! Vamos dar uma volta, me dĂª a mĂ£o.

Nossas mĂ£os se seguraram. Senti um calor inconfundĂ­vel, uma sensaĂ§Ă£o antiga, quase esquecida. Olhei-a, fixando o fundo de seus olhos e entĂ£o sorri. Subitamente, o chĂ£o tornou-se um deserto.

— Nossa! — Espantado, procurei por algo vivo ao redor.

— Bem, eu jĂ¡ estava aqui por um longo tempo mesmo estando lĂ¡ perto de ti. Minha presença aqui Ă© constante — explicou. Do seu lado, passaram homens disparando uma metralhadora, enquanto um morteiro cadente explodiu poucos metros Ă  frente deles. O clarĂ£o quente emanou e incendiou as carnes de outros guerrilheiros. — Estamos na SĂ­ria, baby. 

Ao contemplar os restos mortais dos homens e de algumas casas, reparei que minha acompanhante estava vestida como um beduĂ­no a acompanhar as almas de trĂªs homens. Ao olhar para meu lado, ela ainda estava junto a mim.

— Meu Deus, que horror! — disse ao encarar os olhos dela, notando a ausĂªncia de qualquer expressĂ£o.

— Desculpe nĂ£o compartilhar de seu horror. Olhe ali, no alto daquele edifĂ­cio em escombros. — Guiei meu olhar para onde apontava. Havia um soldado que aparentemente tinha a estatura de um menino de dez 10 anos. Um novo disparo foi feito, sem fonte identificada, e varou o peito dele. A queda jogou o pequeno homem literalmente aos pĂ©s da Morte ao meu lado.

Abaixei-me e vi o capuz que envolvia seu rosto sair da posiĂ§Ă£o. Entristecido, constatei que era mesmo um garotinho.

— Assassino maldito! Como pĂ´de? — prostrado e em lĂ¡grimas aos pĂ©s do cadĂ¡ver, berrei como nunca antes. Senti entĂ£o sua mĂ£o em meu ombro. Ao me virar, vi A Morte na forma de uma bela jovem de caracterĂ­sticas Ă¡rabes.


— NĂ£o amaldiçoe o assassino. Por pior que tenha sido o assassinato, ele lamentou verdadeiramente faze-lo. Eu sei porque, em seu Ă­ntimo, ele desejou morrer, foi uma questĂ£o de preservaĂ§Ă£o da prĂ³pria vida — reparei em sua mĂ£o segurando a mĂ£ozinha da alma da criança. Seu semblante voltou ao mesmo que eu imaginei sempre. — Preciso te apresentar ao Ramid. Diga-lhe "Assalah Maleikum".

Ramid estendeu sua mĂ£o para mim e apĂ³s eu dizer o cumprimento me respondeu: "Alaikum Sallah".

— Eu sinto muito, menino. — Ao ouvir minhas palavras, o garoto esboçou um olhar triste, permanecendo em silĂªncio.

— Ramid, eu te convido para juntar-se a nĂ³s por um tempo. — A Morte fez o convite sabendo que o menino o aceitaria. O chĂ£o sob nossos pĂ©s converteu-se em uma calçada. 

Ao longo, um enorme parque de diversões e pessoas vestidas com fantasias de personagens dos EstĂºdios Walt Disney. O menino e eu nos entreolhamos, enquanto ela apontava com a palma da mĂ£o para o local. Sem hesitar mais, o menino correu em disparada e sumiu em meio Ă  multidĂ£o.

— Acho que ele vai acabar ficando por aĂ­. — Senti-me um pouco envergonhado.

— O sonho dele sempre foi vir atĂ© este lugar. No entanto, nĂ£o acho que ele vĂ¡ ficar, ele deseja estar com a famĂ­lia, todos jĂ¡ estiveram comigo. — Mudando bruscamente de assunto, ela continuou. — Vamos Ă  nossa prĂ³xima parada nessa cidade, buscarei Ramid depois.

Apontou para um prĂ©dio e em seguida estĂ¡vamos dentro de um apartamento decorado de vermelho e mobĂ­lia trabalhada em madeira com aspecto antigo. Observei ao redor, em meio a livros e painĂ©is encontrei um homem enforcado no lustre da sala.

— Espero que aprecie todo este conhecimento dado a ti. VocĂª verĂ¡ o nascimento de um kiumba, de uma assombraĂ§Ă£o. — Fiz uma reverĂªncia com a cabeça respeitosamente, aproximei-me do corpo.

Reparei na saliva pendendo de sua boca. A Morte tocou no meu ombro e pediu que eu olhasse ao lado de uma estante. Havia uma criatura contorcendo, ela nĂ£o tinha forma nem feições, parecia sĂ³ um monte de carne amontoada. A peregrina incansĂ¡vel abaixou-se e observou aquilo se mover, em seguida pediu que me juntasse a ela.

Tomado de assombro, tentei encontrar alguma desculpa para evitar, sem sucesso. A massa disforme estava se movendo diante dos meus olhos. Lembrava uma lesma.

— Toque e sinta a matĂ©ria de um espĂ­rito, aquilo de que Ă© feito. — Gentilmente, ela tomou minha mĂ£o e aproximou da massa disforme. Senti frio na barriga e olhei rapidamente para o que estava ao meu alcance e desviei o olhar para ela. Por minha conta, decidi tocar sozinho.

Minha mĂ£o afundou dentro do que parecia um liquido gelatinoso e quanto mais eu movia minha mĂ£o, mais sentia uma energia nelas, fria e contagiante. 

— Isso Ă© incrĂ­vel, somos entĂ£o feitos disso? Nosso espĂ­rito Ă© feito disso! — Lentamente, retirei minha mĂ£o.

— Exatamente, Poeta. Melhor se apressar para tirar a mĂ£o e tenha cuidado com o susto. — Ela sorriu.

Da massa, começou a emergir mĂ£os e continuar a surgir, tomando forma. Pouco a pouco, um braço saltou, logo apĂ³s outro e, tocando o chĂ£o, puxaram o resto de um tronco humano. Acima dos ombros recĂ©m-formados, vi um pescoço se alongar, em seguida a formaĂ§Ă£o de um rosto. Instintivamente, fiz o sinal da cruz. Quando a cabeça terminou de se formar, as pernas saĂ­ram da massa de ectoplasma. "Aquilo era o nascimento de Kiumba?"

O rosto da criatura tinha a feiĂ§Ă£o de uma carranca de madeira.

— DĂªnis, vocĂª deseja vir comigo? — perguntou a Morte.

Parecendo um pouco fora de si, a criatura divagou, mas depois respondeu:

— Estou morrendo de fome. Aonde vou, terei o que comer? — perguntou o espirito do homem enforcado.

— Sinto muito, nĂ£o posso contar o que hĂ¡ alĂ©m daqui. Esse Ă© o seu mistĂ©rio, se decidir vir, encontrarĂ¡ a resposta. — Ela levou a mĂ£o ao bolso e pegou um cigarro de dentro de um maço, sem encaixĂ¡-lo entre os lĂ¡bios. Miraculosamente, um isqueiro apareceu em sua outra mĂ£o. 

— Eu nĂ£o vou, nĂ£o sei se continuarei com fome. — O kiumba parecia atordoado.

— Bem, quando quiser ir, basta me procurar. Saiba que estarei sempre por perto. Cuide-se, tente melhorar seu aspecto. Aceita um cigarro? — A Morte foi prontamente atendida: a alma penada pegou o cigarro que lhe era estendido e esperou a Morte acendĂª-lo. — Bom, a gente se vĂª, DĂªnis. — Ela se despediu e me chamou.

Ao invés de nos teleportar de novo, dessa vez saímos pela porta andando. No corredor, a Peregrina pegou um novo cigarro, acendeu-o e me deu outro. Pedi o isqueiro emprestado e acendi o meu.

— Pode-se dizer que este encontro estĂ¡ sendo o mais emocionante de minha vida! — Ri de contentamento, enquanto tragava o cigarro.

— Sempre galante, meu caro poeta! Obrigada. Aonde devemos ir agora ? — Ela sorriu e esperou minha resposta. Acho que fiquei um pouco tĂ­mido, mirei os lĂ¡bios dela e sorri, senti vontade de beijĂ¡-los. 


Em seguida, suas palavras finalmente encontraram eco em mim. Percebi que agora eu a conduziria neste nosso encontro. Assim sendo, pensei em um lugar, enquanto descĂ­amos as escadas. Lentamente, elas se desvanecerem e nos levaram para onde pensei.

A vegetaĂ§Ă£o era de um verde exuberante, ao redor da areia amarela e a imensidĂ£o escura do Rio Negro.

— JĂ¡ que vocĂª me levou para passear, Ă© minha vez de te agradar. Estamos no meu lugar preferido. — E apresentei em um gesto teatral com a mĂ£o. — Muito obrigado por tudo isso, por essa experiĂªncia Ăºnica, emocionante, jamais esquecerei — disse enquanto soprava a fumaça.

— É, tambĂ©m gosto muito daqui. Estive bastante por estas bandas muitos sĂ©culos atrĂ¡s. — Ela sorriu carinhosamente. — Que bom que esteja apreciando. Posso levĂ¡-lo a um Ăºltimo lugar? Antes de vocĂª despertar? — Ela apagou o cigarro e ele sumiu de suas mĂ£os. Terminei o meu e ela tambĂ©m o fez desaparecer.

—Claro, chĂ©rie. — Deu-me a mĂ£o e ambos mergulhamos na escuridĂ£o do Rio Negro. Enquanto afundava, nĂ£o me sentia sufocar. Quando batemos em algo sĂ³lido, senti que era energia e começamos a levitar, parando de cair. — Nossa, que lugar Ă© esse? SĂ³ vejo luzes, formas e energia pulsante coloridas. Parece quente aqui.

— Estamos dentro de uma estrela. Ela estĂ¡ prestes a morrer. — Anunciou a Morte sob a forma daquela garota. Meus longos cabelos balançavam pelo ar e pairavam. Os dela tambĂ©m, parecia uma pintura da Medusa.

— Estou me sentindo drenado, como se algo me puxasse — disse isso, enquanto olhava para ela e depois para minha mĂ£o, sentindo-a se desfazer.

— VocĂª irĂ¡ despertar. Obrigado por aquele poema, meu caro poeta! Um dia, a gente irĂ¡ se ver. AĂ­ terĂ¡ em mĂ£os o convite para resolver o seu maior mistĂ©rio, ver o que hĂ¡ alĂ©m. Olhe naquele centro de energia, aprecie as cores.

A explosĂ£o de diversas cores parecia um caleidoscĂ³pio cujas formas iam se agigantando e tomando tudo ao redor, atĂ© que lentamente tudo virou luz e me cegou.

Aos poucos, quando a luz retornava, pude ver ao meu lado meu amigo. Ambos nos erguemos e nos olhamos sem entender o que havia ocorrido. EstĂ¡vamos andando em uma avenida conhecida e lentamente eu via acender as luzes da cidade. A noite chegara ao fim.

Depois da viagem com a Morte, agora eu estava indo para casa.

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*Imagens de domĂ­nio pĂºblico, retiradas da internet e editadas para a coluna. NĂ£o nos pertencem nem sĂ£o exclusividade nossa.


Caras leitoras e leitores, espero que tenham gostado do conto. Dependendo de vossas avaliações, uma segunda parte pode ser considerada.

VocĂªs podem conferir todos os textos da coluna No Umbral publicados no blog >> Acesse aqui!

Aguardando as sinceras opiniões. Cuidado ao voltarem para o mundo real!

Até a vista e assim fecha-se a passagem para o Umbral!




Nascido em UberlĂ¢ndia/MG, Orfeu Brocco atualmente vive em SĂ£o Paulo. Como autor, suas obras lançadas atĂ© o momento sĂ£o; "Criações Sombrias" (2014) e "Jardins Dolorosos da BabilĂ´nia (ou versos Ă¡cidos para meu amor, se vocĂª preferir)" (2014), alĂ©m do livro infantil "HĂ©lio e o menino gota" (2015), pela Editora Miranda. Atualmente, escreve contos para a coluna No Umbral e desenvolve mais livros e HQs junto dos amigos.

CONTATO: broccoluiz@bol.com.br




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